Como se tornar uma mulher


Sérgio Santos

Faz algum tempo que tenho me interessado pela leitura de obras feministas, não obstante até então só tenha lido integralmente o curto, porém instigante livro Sejamos todos feministas, da nigeriana Chimamanda Ngozi Adichie, isso em 2017. Depois disso, cheguei a começar a ler O segundo sexo, de Simone de Beauvoir, mas não passei das primeiras páginas. Li ainda fragmentos de textos de Judith Butler e de Ângela Davis. E nada mais além disso. Agora posso dizer que li mais um. Falo do livro Como ser mulher, da inglesa Caitlin Moran (Editora Paralela, 342 páginas). O texto não é nenhuma tese acadêmica nem Moran é uma intelectual dedicada a questões de gênero. Antes, é apenas uma mulher, e assim se revela no seu texto, com todos os pressupostos e subentendidos que essa palavra - mulher - traz consigo. O que é ser mulher, afinal? Para os reacionários e conservadores, é apenas identificar-se com um dado contingencial da Biologia, mas Moran nos faz enxergar que ser mulher, ainda no século XXI, é submeter-se a uma construção social forjada no seio de uma sociedade patriarcal e profundamente machista. Nesse sentido, ser mulher não se reduz a nascer com vagina e cromossomos XX, antes significa estar sujeita a tudo o que nossa sociedade idealizou e impôs sobre o feminino. Muito se espera de uma mulher: que seja mãe incansável, esposa exemplar e dona de casa zelosa, além de estar sempre linda e maravilhosa, ter o corpo perfeito, jamais envelhecer, etc. etc. etc.

O livro é o relato em primeira pessoa da vida da autora. Acompanhamos sua pré-adolescência e puberdade, e todas as questões nascidas da passagem por esses períodos. Caitin é uma menina pobre, de uma família de 9 pessoas, sem acesso a coisas básicas, como absorventes de melhor qualidade e calcinhas novas. Desde cedo sofre com a gordofobia e a rejeição. À medida que o tempo passa, ela vai perdendo suas ilusões românticas e conhecendo o machismo presente nas relações sociais. Conhece de perto o mundo das celebridades ao trabalhar na redação de uma revista especializada em música. Nessa atividade, fez duas importantes descobertas: 1ª - A fama não impede que mulheres sejam vítimas do machismo; 2ª - Até homens progressistas, como aqueles com quem convivia na redação, revelavam-se machistas. Mas Caitin em nada remete ao estereótipo de feminista criado pelo discurso conservador: ela gostava de homens, casou-se com um e teve filhos. 

E é essa a tônica do livro Como ser mulher: discutir as várias visões sobre o feminino presentes na sociedade, assim como os discursos sobre a mulher feminista presentes no meio conservador, bem como no próprio interior do Feminismo. A mulher feminista, Moran esclarece, não tem raiva dos homens, não deseja seu extermínio, nem é necessariamente lésbica. A feminista também gosta de sexo, de ser desejada, e luta não para ser igual ao homem em tudo, mas para ter direitos iguais, e ser livre para ser mulher, e para não ter que reduzir suas potencialidades e possibilidades para tornar-se mulher. Por essas considerações, vejo como um livro fundamental para ser lido por todos os gêneros. Principalmente pelos homens.


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